Ela sentia a velhice não a insinuar-se devagarinho, mas já descarada, sem vergonha, às claras. Sentia-a nos ossos, na pele, nas entranhas. Via-a no espelho e não estava a gostar, via-a nas roupas, cada vez mais as que já não lhe ficavam bem. Os filhos chamavam-lhe "velhota", com carinho, mas "velhota". Não que pudesse fazer alguma coisa em relação à passagem dos anos, mas não era obrigada a gostar. E ela não gostava e pronto. Quem disse que a velhice é uma coisa boa deve ter morrido novo. Ao princípio ainda se dava ao trabalho de ir arrancando os cabelos brancos que nasciam. Se fizesse isso agora pouco faltaria para ficar careca. Quem é que disse que a velhice é uma coisa boa? Ah, o saber, a experiência e tal. Experiência de quê? De novas maneiras de morrer de tédio? Cada dia era mais um dia para se arrepender do dia anterior. Não fizera nada da sua vida. Casara "bem", criara os filhos... e mais nada. Não ia deixar nenhuma marca no mundo. Ninguém ia sentir a falta dela quando morresse, tirando talvez a vizinha do segundo esquerdo porque ficaria sem ninguém para ir dar de comer aos peixes quando saísse. Todos os sonhos desfeitos em pó. Todas as expectativas feitas em nada. Todas as aventuras que idealizara nunca haviam saído da sua cabeça. Entretanto fôra perdendo a beleza, a graça, o dinamismo... conformara-se. E agora, o tempo que tinha pela frente era cada vez menos. Mas era tempo... E ela bem que podia aproveitá-lo... Ora bolas, mas quem é que foi o anormal que disse que a velhice é uma coisa boa?
Ana Militão
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